Coimbra, 4 de Julho de
2014
Exmo. Senhor Presidente
da Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Administração Pública
A APRe! – Associação
dos Aposentados, Pensionistas e Reformados remete o seu Parecer sobre a
Proposta de Lei Nº 236/XII – Contribuição de Sustentabilidade (inter alia)
PARECER
DA
INCONSTITUCIONALIDADE dos artsº 2º, 4º e 5º da Proposta de Lei nº 236/XII. Violação
do princípio da confiança (artº 2º da CRP) e do direito à segurança social
(artº 63º da CRP)
Na exposição de Motivos da Proposta de Lei em causa, o
Governo elenca um conjunto de razões que ou não ocorrem de todo na realidade,
ou não correspondem à descrição que delas é feita na mesma Exposição.
Respigando do texto preambular os tópicos mais afastados da
realidade, examinemo-los um a um:
I – SISTEMA DE
REPARTIÇÃO? – A FALSA RAZÃO DA AUTO-SUSTENTABILIDADE
Diz o Governo:
“O sistema público de pensões português é composto pelo
sistema previdencial e pelo regime de protecção social convergente, abrangendo
ainda o regime gerido pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
O sistema é gerido em repartição, pelo que as pensões actualmente em pagamento
são suportadas pelas contribuições dos trabalhadores no activo e respectivos
empregadores e por transferências do Orçamento de Estado …”
Estas afirmações são contraditórias nos termos.
Com efeito, o que é próprio do sistema de repartição é a
distribuição pela geração dos actuais reformados das contribuições pagas pelos
actuais activos: trabalhadores e empregadores.
As transferências do Orçamento de Estado para o Orçamento da
Segurança Social, com efeito, não são características, ou típicas, deste
sistema de repartição.
Tais transferências, nos termos da Lei, destinam-se a
assegurar o financiamento dos regimes não contributivos ou escassamente
contributivos, bem como da Acção Social.
Isto é, embora possam integrar o sistema público de pensões –
no que toca ao pagamento das pensões sociais, por exemplo -, não integram o
sistema previdencial, de base contributiva e sinalagmática, ao contrário do que
o Governo afirma.
Aliás, logo à frente, ainda na Exposição de Motivos, foge-lhe
ao Governo a boca para a verdade, ao referir o seguinte: “Este modelo de
financiamento (de repartição) tem subjacente um contrato implícito baseado no princípio da solidariedade entre gerações,
assegurando que as gerações vindouras
terão o sistema a funcionar de forma igualmente fiável face às suas
contribuições, tal como as gerações beneficiárias presentes.”
Mas percebe-se a necessidade que o Governo teve de introduzir
esta prótese das transferências do OE – que configura uma distorção teórica no
sistema de repartição – na justificação da CS.
Tal “habilidade” deve-se ao impropriamente chamado regime de
protecção social convergente, isto é, da Caixa Geral de Aposentações.
Como se sabe, a CGA constitui hoje um grupo fechado, não
admitindo, desde 2005, novos beneficiários – nem recebendo as quotizações
respectivas.
Não recebendo, por decisão do próprio Governo, mais
contribuições, e aumentando o número de reformados, graças às políticas
públicas de redução de efectivos na Administração Pública, também por via das
reformas antecipadas, é tautológico que não pode haver repartição.
Pois se não há que repartir …
Mas tal resulta de opções políticas dos sucessivos Governos.
Assim, a existência
de défice nesse sub-sistema constitui uma inevitabilidade provocada pelo poder
político – pelo que terá de ser o Orçamento de Estado a cobrir esse mesmo
défice.
Na verdade, a questão da auto-sustentabilidade do sistema de
protecção social convergente, a pretexto da necessidade de não efectuar
transferências do Orçamento de Estado para a CGA, que o Governo expressamente
invocou a propósito da CES na Lei do OE para 2013, não pode ser colocada como
fundamento da presente medida.
Como se refere no Acórdão nº 862/2013 do Tribunal Constitucional, relativo à
chamada “convergência das pensões”, “… em virtude de opção político-legislativa
…, o sistema de pensões na Caixa foi fechado a novas inscrições a partir de 1
de Janeiro de 2006.” – capítulo 39 do Acórdão.
Ora – prossegue o Acórdão -, “ O horizonte para um sistema destes nunca poderá ser a
autossustentabilidade, precisamente por que há a certeza de que o sistema tem
que ser financiado externamente. Neste sistema, fechado a novos
subscritores, a redução de pensões
não é uma medida que por si só tenha capacidade para salvaguardar a
sustentabilidade do sistema. Com efeito, o autofinanciamento da CGA já está
comprometido com a insuficiência das quotizações para pagar as pensões existentes
no momento do seu pagamento e não é a redução de pensões que o vai salvar.”
– idem, ibidem.
II – CS EM SUBSTITUIÇÃO
DA CES?
A segunda invocação mistificatória de razões levadas à
Exposição de Motivos é a seguinte:
“... importa relevar que a CES é uma medida de carácter
transitório. A sua excepcionalidade implica um trabalho contínuo com vista à
sua substituição por medidas duradouras … que produzam efeitos imediatos.”
Ora, há aqui profunda contradição.
Com efeitos, se há
substituição, isto é, se se trata – a CES – de medida fungível, trocável por
outra, ainda por cima com “efeitos imediatos”, está destruído o carácter
excepcional – isto é irrepetível, não fungível – da medida.
Cumpre, aliás, salientar que foi só essa nota de
excepcionalidade que levou o TC a transigir com a CES em 2013 – excepcional,
tendo em conta o Memorando de Entendimento.
Desaparecendo os pressupostos que conduziram à declaração
excepcional de constitucionalidade da CES em 2013, não pode agora a sua
suplente CS obter o acolhimento constitucional.
Poderia o Governo invocar, na verdade, a circunstância de o Tribunal
Constitucional, no seu acórdão nº 187/2013, de 5 de Abril de 2013 (publicado no
D.R., nº 78, de 22 de Abril de 2013) se ter pronunciado, a propósito de uma
norma da Lei do Orçamento de Estado para 2013 – o artº 78º, 1 e 2 -,
respeitante à CES – Contribuição Extraordinária de Solidariedade –, decidindo
pela conformidade constitucional dessa norma da Lei do Orçamento para 2013.
Porém, os fundamentos que conduziram à mencionada declaração
de constitucionalidade não são convocáveis para a CS.
Em primeiro lugar, o
juízo de constitucionalidade do artº 78º, 1 e 2 da Lei do Orçamento de Estado
para 2013 foi proferido tendo em conta a situação de excepção em que o País se
encontrava – e invocando expressamente a
previsão de vigência restrita ao ano orçamental de 2013, quanto à
aplicabilidade da medida.
Como se estabelece no citado acórdão: “Perante a conjugação
de uma diminuição das receitas do sistema de segurança social, face ao forte
aumento do desemprego, redução dos salários e às novas tendências migratórias,
com um aumento das despesas com o apoio ao desemprego e às situações de
pobreza, e à consequente necessidade do Estado subsidiar o sistema de segurança
social, agravando desse modo o défice público, o legislador, a título excepcional e numa situação de emergência, optou
por estender aos pensionistas o pagamento de contribuições do sistema de
segurança social do qual são directa ou indirectamente beneficiários, apenas
durante o presente ano orçamental.” – sublinhado nosso.
O que é dizer que, se a medida fosse para durar mais do que
um ano, a questão da inconstitucionalidade teria de ser de novo convocada, mas
em novos termos.
Além disso, como é público e notório, o Primeiro-Ministro vem
afirmando ser necessário imprimir uma natureza duradoura aos cortes como os da
CES – o que constitui o exacto oposto da doutrina do Acórdão do Tribunal
Constitucional sobre essa medida, no que respeita ao carácter excepcional, que
a Constituição pode tolerar, quanto aos cortes.
Essa invocação de uma
necessidade duradoura de cortes nas pensões coloca-se ostensivamente fora do
campo de tolerância definido pelo TC quanto a esta matéria.
Para o TC, segundo a doutrina do Acórdão nº 187/2013, “excepcional”
equivale a “durante apenas o ano de 2013”.
Importa ainda anotar que o TC foi sensível, para o juízo de
prevalência do interesse público na validação constitucional da CES em 2013 –
no sentido do contraponto à verificação dos índices ou pressupostos que
integram a tutela da confiança, ínsita no princípio do Estado de Direito, artº
2º da CRP –, foi sensível, dizíamos, aos efeitos da medida no objectivo de
redução da despesa pública.
(Representava
cerca de 800 milhões de euros, se bem nos recordamos.)
Citando de novo o acórdão nº 187/2013, de 5 de Abril de 3013: “No caso
concreto, a imposição de um tributo com a natureza de uma contribuição para a
segurança social, traduz-se, em grande parte, na imediata redução de despesa
por via da dedução de uma percentagem dos montantes devidos a título de pensão
de reforma ou de aposentação pelas próprias entidades a que está consignada e,
noutra parte, incidindo sobre titulares de complementos de reforma e de pensões
com um regime especial, corresponde a uma forma de financiamento que é
assegurada pelos beneficiários ativos de prestações. Podendo descortinar-se na
sua própria condição de pensionistas o fundamento material bastante para, numa situação de exceção, serem
chamados a contribuir para o financiamento do sistema, o que afasta, à
partida, o caráter arbitrário da medida.”
No entanto, na perspectiva de uma interpretação da
constitucionalidade das normas infraconstitucionais à sombra do Memorando de
Entendimento, como foi então o caso, o certo é que o Programa que tal Memorando
incorpora terminou no passado dia 15 de Maio.
Nessa data, cessaram os fundamentos do invocado interesse
público que têm servido como argumento para a preterição da apreciação da
constitucionalidade das medidas legislativas visando as pensões sob o parâmetro
da protecção da confiança.
A partir de então, nenhum argumento sustentará a tese da
emergência transitória como contraponto à referida protecção da confiança –
mesmo em sede de apreciação e declaração da inconstitucionalidade das normas,
com força obrigatória geral.
Como se sabe, o “ajustamento” durará mais de 20 anos, como
tem salientado o Presidente da República e mesmo o Governo.
Para a maioria dos pensionistas, por razões de idade, no
prazo de 20 anos estarão mortos – para eles, esse prazo não será transitório,
mas definitivo.
O que é dizer que o
carácter de excepcionalidade que tem servido de suporte legitimador de algumas
decisões mais sensíveis do Tribunal Constitucional apenas poderá ser compatível
com a vigência do Memorando de Entendimento em sentido estrito; e já não
com o necessariamente longo processo de ajustamento.
Este não tem consistência para configurar um interesse
público de tal forma intenso que prevaleça sobre a convocação dos parâmetros
que integram a protecção da confiança.
III – O PRINCÍPIO DA
CONFIANÇA
Por outro lado, e especialmente no que respeita ao sistema de
protecção social convergente, o governo tem estimulado o mecanismo de
aposentações antecipadas, com penalização quanto à fórmula de cálculo da pensão
inicial.
Esta possibilidade de antecipação da idade da aposentação na
função pública foi objecto de sucessivas ofertas legislativas por parte dos
vários Governos, com o objectivo de diminuir a despesa pública e de reduzir de
forma significativa o número dos trabalhadores do Estado: os aposentados
recebem menos do que os funcionários no activo; e os mecanismos de diminuição
da forma de cálculo da pensão inicial têm tornado as pensões de aposentação
pagas pelo Estado cada vez mais distantes do vencimento no activo.
(Nesse sentido, Decreto-Lei nº 1/2004, de 15 de Janeiro, que
aditou o artº 37º-A ao Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei nº
498/72, de 9 de Dezembro: Lei nº 60/2005, nomeadamente os seus artsº 4º, 5º e
7º; Lei nº 52/2007, de 31 de Agosto, nomeadamente a nova redacção do artº 5º da
Lei nº 60/2005; Lei nº 11/2008, de 20 de Fevereiro, nomeadamente os seus artsº
4º, 5º, 6º, 7º e 8º; Decreto-Lei nº 238/2009, de 16 de Setembro, no que toca às
alterações dos artsº 39º e 43º do Estatuto da Aposentação; Lei nº 3-B/2010, de
28 de Abril, no que toca ao artº 29º, que alterou mais uma vez o artº 37º-A do
Estatuto da Aposentação, relativo à reforma antecipada.)
Ao mesmo tempo, só nos últimos anos e no âmbito dos
sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento, estabeleceu-se a
convergência com o sistema privado de formação das pensões; diminuiu-se em 10%
a remuneração-base do cálculo da pensão inicial; retirou-se depois o valor das
contribuições para a CGA dessa base de cálculo; alargou-se a idade mínima legal
da aposentação; estabeleceu-se o factor de sustentabilidade; e estabeleceu-se
igualmente o mecanismo de penalização das reformas antecipadas – tudo com o
objectivo confesso de diminuir a despesa pública.
Milhares de reformados da Administração Pública requereram a
aposentação e conformaram-se com as penalizações que as suas pensões iriam
sofrer em resposta a essa oferta e interesse do Estado.
Configuraram – quer no sistema de protecção social
convergente, quer no sistema geral de Segurança Social – que os valores de
pensões que iriam receber seriam mantidos e actualizados anualmente pela CGA e
pelo ISS, como era expectável, sendo susceptíveis de manter, com um relativo
equilíbrio, o modo e trem de vida, os hábitos e o consumo de bens e serviços,
de forma aproximada a quando se encontravam no activo.
Projectaram, deste modo, a sua vida futura à sombra desse que
consideraram pressuposto fiável e seguro: o cumprimento, pelo Estado, das
condições acordadas
com a passagem à aposentação e à reforma, mormente a
estabilidade da respectiva pensão.
Os reformados, pelas reformas por motivo de idade e de
longevidade da carreira contributiva, já não estão em tempo, por altura da
aposentação ou da reforma, de encetar uma nova carreira profissional, nem de
emigrar, nem de optar por um sistema alternativo ou complementar de protecção
social.
A sua expectativa fundava-se na segurança jurídica que
pensavam decorrer de uma relação obrigacional complexa, qual é a relação de
aposentação e de reforma, que se foi formando ao longo de mais de 35 anos, em
que os AA. sempre cumpriram os seus deveres contributivos, mas que se
consolidou, firmou e tornou estável com o evento da passagem à situação de
aposentação ou de reforma.
Por outro lado, como
salienta o TC, no Acórdão 353/2012, de 5 de Julho de 2012, a questão da
lesividade dos cortes do valor das pensões não pode ser vista isoladamente de
outras agressões sobre as retribuições ou sobre as mesmas pensões: “Esta
ablação (dos subsídios de férias e Natal, que é o tema do Acórdão) é cumulada
com as prévias reduções já impostas no ano anterior pelos artigos 19º, 23º e
161º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro … Há ainda que tomar em
consideração que foi adoptada em 2010, 2011 e 2012 (e 2013 e 2014, acrescentaremos
nós) uma política de congelamento dos salários do sector público, e nos dois
(agora, quatro) últimos anos das pensões, cuja manutenção nos anos seguintes se
encontra prevista nos memorandos que consubstanciam o PAEF, o que, relacionado
com o fenómeno da inflação, resulta numa redução real desses salários e pensões
equivalente às taxas de inflação verificadas nesse período.”
Com um acrescento: para além de todos os fenómenos de redução
do montante real das pensões acima alinhados se terem verificado relativamente
às pensões, estas sofreram ainda, em 2013, os efeitos da CES, na medida em que
o TC permitiu a aplicação dessa medida nesse ano – o mesmo se verificando em
2014 –, sendo ainda invocável a degradação dos rendimentos líquidos dos reformados,
como efeito dos novos escalões do IRS, bem como a aplicação, nos últimos anos,
da sobretaxa de 3,5% sobre o IRS.
IV – DA VIOLAÇÃO DO
DIREITO FUNDAMENTAL À SEGURANÇA SOCIAL (artº 63º da CRP)
Por sua vez, também o
direito à segurança social, assegurado pelo artº 63º da Constituição da
República e que deve ser considerado um direito análogo, ou da mesma natureza,
dos direitos fundamentais, se mostra violado pela intensidade e desproporção da
agressão que vem sendo causada pelas sucessivas Leis do Orçamento de Estado e
leis avulsas, como é agora o caso, às pensões de aposentação e de reforma.
Susceptível de afectar negativamente uma das funções das
prestações do sistema de segurança social substitutivas dos rendimentos do
trabalho, como é o caso das pensões de aposentação – o princípio da substituição e da estabilidade da respectiva taxa.
(No sentido da natureza jusfundamental do direito à Segurança
Social se pronuncia o referido Acórdão do TC, nº 862/2013:
Para a doutrina deste Acórdão, tal “não significa uma absoluta
intangibilidade do direito à pensão, mas sim que o referido direito passa a beneficiar da protecção específica
correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de Direito,
como a protecção da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser
suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios.”
Traduzindo esta doutrina para a presente proposta, não se
verifica a prevalência destes princípios, nomeadamente o da proporcionalidade,
como fundamento para a lesão do direito dos AA. à segurança social.
A propósito dos cortes dos subsídios de férias e Natal em
2012, importa lembrar que o TC, no seu referido Acórdão nº 353/2012, defendia
que “… nenhuma das imposições de sacrifícios descritas tem equivalente para a
generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras
fontes, independentemente dos seus montantes.” – D.R., 1ª Série, de 20.7.2012,
p. 3856.
A mesma desigualdade essencial se mantém na presente Proposta
de Lei.
Ainda a este propósito, da existência e da lesão do direito à
segurança social, o Acórdão cita, no capítulo 21, por sua vez, o pretérito
Acórdão do TC nº 581/95, que configura a reforma como “a alternativa de repouso
com garantia de um “sucedâneo” da retribuição, antes percebida pela prestação
de trabalho.”
Neste mesmo sentido, de adequação entre a retribuição
auferida no activo e o correspondente valor da pensão, designada como “taxa de
substituição”, o Acórdão refere o entendimento de que o âmbito do direito
garantido pelo artº 63º, 3 da CRP compreende as “prestações pecuniárias
destinadas a garantir as necessidades de
subsistência derivadas de várias situações, como a
interrupção, redução ou cessação de rendimentos de trabalho, com o objectivo de garantir, de modo
tanto quanto possível aproximado, rendimentos de substituição dos rendimentos
de trabalho perdidos.
Ora, tal efeito de
substituição é definitivamente afectado, de modo negativo, pela sucessão de
medidas legislativas de diminuição e degradação das condições da formação da
pensão e respectivos montantes, de par com cortes nas pensões já objecto de
atribuição atempada ou com contribuições e sobretaxas sobre elas, bem como de
agravamentos fiscais de dimensão avultada, ao longo dos últimos 3 ou 4 anos
– elenco de que o Acórdão nº 363/2012 dá rigorosa descrição.
Tal degradação
transforma numa miragem a própria ideia de taxa de substituição, configurando,
também por esta via, a violação do direito à segurança social conferida como
direito fundamental pelo artº 63º, 3 da CRP.
Convoca-se ainda, em abono da posição defendida pela APRe! nesta
matéria, a doutrina do Acórdão do TC nº 187/2013, de 5 de Abril, ao qualificar
o sistema vigente de acesso à pensão como um “sistema de benefício definido”, no sentido de “que se garante a cada
pensionista uma taxa fixa de substituição sobre os vencimentos de referência”,
com reflexos “ na tutela do investimento na confiança, que, sem dúvida, é de
presumir ter existido por parte do titular do direito …”
As disposições propostas
– artsº 2º, 4º e 5º da Proposta de Lei nº 236/XII, violam, destarte, o direito
à segurança social, estabelecido no artº 63º, 3 da CRP
V –
O PRINCÍPIO DA CONTRIBUTIVIDADE
A Exposição de Motivos refere ainda que “os beneficiários
actuais e futuros deste sistema – que são os principais interessados na sua
sustentabilidade financeira – devem participar (no) esforço …” com vista à dita
sustentabilidade.
Já acima se explicou que, de acordo com a jurisprudência do
TC, pelo menos no que diz respeito ao sistema de protecção social convergente –
CGA -, a questão da auto-sustentabilidade não se coloca.
Quanto ao regime geral, também se não vê que, sem grave
distorção dos princípios, se possa convocar a participação dos beneficiários no
financiamento dos próprios benefícios de que são já titulares como direito
próprio.
Por absurdo, se o Governo, por políticas públicas por si
discricionariamente prosseguidas, fizesse minguar as receitas da TSU, ou
persistisse no englobamento da novos grupos profissionais, como no caso da
Banca ou da PT, no regime geral, no que
toca ao pagamento dos benefícios, mas sem contrapartidas no
que toca às respectivas reservas matemáticas, poderíamos chegar à situação
limite de a Contribuição de Solidariedade dos actuais reformados acabar por ser
igual ao valor da própria reforma – assim a pretensão da auto-sustentabilidade
o exigisse.
Por definição da melhor doutrina, uma contribuição, como uma taxa, deverá ser a contrapartida de um
específico serviço prestado ao seu pagador.
Ora, a CS não
corresponde a esse figurino.
A APRe! teve ocasião de manifestar a sua concordância com o
entendimento do Senhor Presidente da República quanto à natureza fiscal da CES,
assim se afastando, nessa parte, da decisão confirmatória do TC.
Mesmo, no entanto, que se acolha a perspectiva do TC sobre a
natureza da CES como contribuição, ela não deixa de constituir, enquanto
contribuição, uma contrapartida por uma nova prestação – que a contribuição se
destina a pagar.
VI – COMENTÁRIO FINAL
Não se resiste a um apontamento suscitado pelo texto da
Exposição de Motivos.
A certo passo, o Governo refere-se aos “… compromissos de
sustentabilidade das finanças públicas (como) … incorporados na Lei do
Enquadramento Orçamental … aprovada pelos partidos
do arco da governação …”
Lê-se – e não se acredita.
Que os comentadores políticos tenham cunhado essa expressão –
“partidos do arco da governação” (há quem lhe chame “arco da governabilidade”,
como o Senhor Vice-Primeiro Ministro) – para delimitarem o campo dos partidos
habilitados a governar-nos, referindo-se ao PS, ao PSD e ao CDS, como se não
houvesse mais mundo e mais democracia fora desse núcleo, ainda se pode aceitar,
embora discordando.
Mas que seja o Governo, órgão de soberania, para mais num
documento de Estado – uma Proposta de Lei, a enviar à Assembleia da República –
a deixar assim de fora a representação de metade dos portugueses, é, no mínimo,
bizarro.
Quem sabe, ainda a aprovam assim …
A APRe! solicita a sua participação nas audiências que a
Comissão Parlamentar se encontra a levar a cabo no âmbito da discussão pública
dessa Proposta de Lei.
A Presidente da Direcção,
Maria do Rosário Gama